A escrita e a oralidade em tempos de novas tecnologias da comunicação
Contar histórias sempre foi uma tradição de todos os povos - dos mais primitivos aos mais sofisticados. Com essas histórias evoca-se lembranças, exercita-se e revitaliza-se a memória pessoal e, principalmente, a coletiva. A diferença entre os povos primitivos e sofisticados não é a importância e o prazer de contar e narrar histórias, mas o modo como essas são registradas. Grandes poetas épicos como: Horácio, Virgílio, Camões, entre outros, tinham a função de coletar essas histórias e registrá-las para preservar a memória e o período histórico de seu povo e de sua nação.
O homem sempre contou histórias, antes mesmo de poder escrevê-las, porém o confronto entre a cultura oral e a cultura escrita nunca deixou de existir, principalmente, devido à visão preconceituosa da sociedade “letrada”, tanto que à época da colonização toda a produção cultural dos povos ameríndios e, posteriormente, a dos povos africanos foram desprezadas.
Uma rápida análise da história da humanidade deixa clara a importância do registro escrito na história dos povos e em suas relações. Tempos antes da colonização americana pelos europeus, tivemos o domínio dos povos bárbaros pelos gregos e romanos, e só temos acesso a essas histórias por meio dos registros escritos pelos conquistadores, que eram os povos com práticas de escrita, porém pouco se sabe sobre os derrotados que tinham pouco ou nenhum recurso para registrar sua história, sua cultura e sua sociedade.
Em sociedades predominantemente orais, sem a prática de escrita, não há a necessidade de memorização integral, exata, pois a memória oral permite maior movimento, liberdade e mais possibilidades criativas para que a tradição cultural e histórica seja transmitida - a oralidade permite uma releitura e um refazer constante do passado ao ponto de não separá-lo do presente.
A memória individual e coletiva perpassa pelas histórias orais, que também podem ser produzidas no campo do poder, a partir de interesses pessoais e familiares. Narradores de Javé, filme de 2003, dirigido por Eliane Caffé, nos mostra isso claramente: Na possibilidade de ser submerso pelas águas de uma represa os moradores do pequeno vilarejo de Javé se organizam para tentar salvá-lo. E qual seria a salvação? Construir, já que não tinham, um patrimônio histórico com base nas narrativas orais de cada morador a respeito das origens históricas do vilarejo. Porém, ao tentar registrar essas histórias, o escriba Antonio Biá, vivido por José Dummont, se vê incapaz de tal tarefa, pois cada morador conta a história mítica do vilarejo segundo sua ótica, levando em consideração seus interesses, valorizando ou omitindo passagens de seus ancestrais, ou até mesmo levantando questões de legitimidade de heranças familiares. A relação de poder nos relatos orais dá-se não só por meio dos interesses expressos, mas também em outras esferas: as pessoas mais velhas querem para si o papel de guardiões da memória e da história do vilarejo - outro fato importante é a seleção das histórias feitas a partir de anseios pessoais ou coletivos de fatos que possam ou devam ser lembrados ou, ao contrário, esquecidos.
Narradores de Javé também nos mostra como a escrita é a linguagem do poder, da lei. Com a inundação do vilarejo, apenas os moradores que tivessem um registro escrito de posse de terras – uma escritura - seriam indenizados. Contudo nenhum dos moradores a possuía, pois os limites de terras eram feitos por meio das divisas cantadas, ou seja, o morador recitava os limites de seu território e esses limites eram respeitados.
Até então, nunca houvera necessidade uma escritura – ou um registro formal – para outorgar a posse da terra.
Assim como os limites da terra, a memória histórica tem que ser registrada, pois seu registro a torna imutável, rígida, inflexível. No entanto, sem poder modificar seu passado, o povo acaba por distanciar-se deste e ele deixa de ser agente produtor e colaborador de sua história.
Na sociedade moderna o discurso oral tem que ser legitimado pelo registro escrito, essa legitimação dá-se não só pela legalidade do escrito, mas também pelo embelezamento e enriquecimento estético do fato: “(...) Uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito - o acontecido tem que ser melhorado no escrito (...) para que o povo crie no acontecido” - palavras de Antonio Biá o escriba do vilarejo de Javé, que também afirma: “A história é de vocês, mas a escrita é minha”, “O curvo vira corcunda”, “História muito ouvida e contada, mas nunca lida e escrita”. A supremacia da cultura escrita sobre a cultura oral fica clara quando percebemos que a história de um povo ou os limites de suas terras que não tenham sido registrados são considerados como se não existissem.
O registro traz mudanças significativas no seu destinatário como se pode observar no depoimento da moradora de Gameleira, cidade onde foi rodado o filme Narradores de Javé, “O lixo fazia parte do nosso dia-a-dia como se fosse um vizinho e não nos incomodava, quando chegou o pessoal do filme que promoveu essa limpeza (da cidade) (...), abriu uma cortina, abriu nossa visão e fez com que percebêssemos como é importante viver em um ambiente limpo”.
Da mesma forma, o contrário se faz presente: a falta de registro também traz mudanças significativas, nem sempre para melhor. Em depoimento, a poetisa Maura Maria Lopes que vive na Zona Norte de São Paulo, lamenta não saber escrever e pensa que se soubesse poderia ter uma vida melhor, poderia apresentar seus poemas em programas de televisão.
Os dias atuais trouxeram mudanças nas tecnologias da escrita para o homem moderno contar suas histórias e registrar suas terras, e o principal deles é o suporte.
O suporte da escrita moderna não é mais o papel, o códice - evolução da pedra, da argila, do papiro - é a tela do computador e o chamado ciberespaço. Hoje, os textos não são táteis, físicos e estagnados. O computador, e principalmente a internet, traz uma nova forma de relacionamento com o texto, o hipertexto: texto em formato digital que agrega outras informações como outros textos, imagens, sons, acessados por meio de palavras ou termos específicos denominados links. Diferente do papel, o qual era mensurável, palpável, era possível se marcar o início e o fim de um texto por meio de páginas numeradas, da posição, da ordem, o hipertexto é dinâmico, cabe o leitor escolher seu início e seu fim, o leitor pode contribuir com os textos no ato da leitura, definindo sua estrutura e seu sentido.
O hipertexto traz de volta características da cultura do texto manuscrito e, sobretudo da cultura oral. Hoje, pode-se interferir acrescentar, alterar. O texto voltou a ser efêmero, transitório, pouco controlado, exatamente como representado em Narradores de Javé.
Muitas são as vantagens do hipertexto, por ser multilinear e multissequencial traz inúmeras possibilidades: o texto torna-se mutável, variável: com um clique em link ou palavra chave, abre-se outra palavra, outro termo, outro parágrafo e até mesmo outro texto e assim sucessivamente. O hipertexto é semelhante aos processos cognitivos e dessa forma aproxima o ser humano de seus esquemas mentais por associações em rede.
Contudo, todas essas vantagens do hipertexto não estão ao alcance de todos como pessoas analfabetas e iletradas, ou até mesmo pessoas alfabetizadas e letradas que ainda não conseguem operar um computador, ou qualquer outro aparelho tecnológico.
Em seu depoimento, Dona Maura disse ter usado um computador apenas uma vez. Tem a capacidade de reconhecer as letras no teclado, mas não consegue gravar seus textos - não consegue ao menos operar o aparelho de telefone, mesmo memorizando os números que necessita.
Conclui-se, portanto, que o mesmo confronto de outrora entre o mundo oral e o mundo escrito, ressurge hoje com outra roupagem, o confronto entre o mundo digital e o mundo não digital. Não obstante a escrita, seja ela digital ou não, e a oralidade são indissociáveis.
Como já afirmado os poetas épicos registraram as histórias conhecidas e contadas pelo povo, e pela escrita elas ganharam contornos, correção e precisão para resistirem e existirem até hoje. Talvez em alguns anos, as histórias que o mundo terá acesso serão aquelas que foram digitadas, digitalizadas - serão as histórias das sociedades tecnologicamente sofisticadas, ao passo que as que restaram apenas na oralidade do povo serão tragadas pelas águas da tecnologia.
Leitura e Ampliação do vocabulário
Fator fundamental do processo ensino-aprendizagem
Uma abordagem prática
Por Fabiano Fernandes Garcez e Cláudia S. Coelho*
A princípio, a leitura era vista, como ainda o é por grande parte dos jovens leitores, como um mero processo de captação de ideias: o texto visto como produto acabado – lógico – do pensamento do autor, cabendo ao leitor desempenhar o papel passivo de apreender as ideias do texto. Hoje, sabe-se que a compreensão de um texto é muito mais do que isso, pois envolve conhecimentos linguísticos, sociocognitivos e interacionais. E o que isso implica?
Para que um texto seja, de fato, assimilado, há que haver o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto. A partir de então, o leitor estará pronto para, com base em seu conhecimento de mundo, estabelecer relações, fazer inferências, comparações e elaborar hipóteses. Essa ação cria um “diálogo” entre autor e leitor, estabelecendo, por fim, a interação autor-leitor-texto. E o reconhecimento do vocabulário contribui muito para esse processo.
Como exemplo, podemos citar o primeiro verso da canção, O Bêbado e a Equilibrista (1979), composta por João Bosco e Aldir Blanc, que foi sucesso na voz de Elis Regina:
“Caía a tarde feito um viaduto”
O que os compositores quiseram dizer era que a tarde caía abruptamente, tal qual parte do Viaduto Paulo de Frontin que desabou no Rio de Janeiro, em 1971. O leitor desavisado, leria o verso acima sem entendê-lo, passaria para o seguinte sem entendê-lo, a não ser que fosse-lhe chamada atenção a tal fato.
Portanto, é imprescindível que a ampliação do vocabulário do aluno faça parte do processo educativo, pois quanto maior o vocabulário, maior a possibilidade de compreensão da leitura; quanto maior o vocabulário, mais amplo o repertório de conceitos.
DA TEORIA À PRÁTICA
O professor, enquanto facilitador do processo de aprendizado de vocabulário, deve contribuir para que o aluno desenvolva noções de:
a) competência lexical que, grosso modo, consiste no conhecimento e na capacidade de utilizar o vocabulário de um determinado idioma e compreende elementos lexicais e gramaticais o que leva o educando a compreender que o desenvolvimento do vocabulário é um processo contínuo;
b) processo formação de palavras - conhecer uma palavra implica em conhecer suas formas subjacente e derivações;
c) relação de sentido entre palavras - conhecer uma palavra implica em saber suas limitações de uso de acordo com sua função e comportamento sintático, valor semântico e situação de uso;
d) relação de significado e uso das palavras - conhecer uma palavra implica em saber o grau de probabilidade de encontrá-la e as formas mais prováveis de associação a outras palavras da língua. Além do conhecimento da sinonímia, antonímia e polissemia.
e suscitar em seus alunos o interesse pela etimologia: do grego étumon: 'o verdadeiro significado da palavra segundo sua origem'. O que o levará a, além de entender o sentido subjacente os vocábulos que compõe nossa língua, a ter uma melhor compreensão do processo de formação de palavras.
É importante que ele também mostre ao aluno/leitor que muitas vezes é possível determinar o significado de uma palavra desconhecida no decorrer do texto ou pelo contexto. Mas para tal, o aluno precisa ter conhecimento ou experiência prévia do assunto em questão e cabe ao professor auxiliá-lo. Para tal proponho algumas estratégias como:
1- fazer um mapeamento semântico: com o propósito de ativar o conhecimento prévio do aluno sobre determinado ao tema;
2- organizar diferentes conceitos em categorias e subcategorias, o que permite a visualização de relações;
3- Fazer um arranjo linear, elencar vocábulos em uma progressão crescente de intensidade.
4- e, caso o assunto tratado no texto não faça parte do universo dos alunos, apresentar de antemão material relevante e suficiente, de forma que estes se familiarizem com o tema a ser abordado.
Por fim, é de suma importância que o professor/facilitador mostre aos alunos que quanto mais sentidos uma palavra tiver, menos precisa ela é. Assim, “veículo”, por exemplo, tem uma extensão grande demais de significados, porque abrange automóvel, caminhão, van, ônibus, bicicleta, velocípede, motocicleta, motoneta, lambreta, etc. Já “ônibus” tem uma compreensão maior, porque tem um sentido mais específico, menos extenso. Em outras palavras, quanto maior a compreensão de uma palavra, menor a sua extensão, e vice-versa. Quem diz que uma coisa é bacana não está sendo preciso, porque bacana pode significar boa (uma ação bacana), bonita (uma mulher bacana), bem-feita ou agradável (uma casa bacana), elegante (um vestido bacana), simpática (ela foi bacana comigo), etc. Da mesma forma é importante usar o termo com propriedade. Um navio não tem ré, mas popa; não tem frente, mas proa; não estaciona, mas atraca. Uma bicicleta não tem volante, mas guidon; não tem poltrona, mas selim; etc. E é preciso enfatizar que o conhecimento do vocabulário adequado só é conseguido por meio da leitura e, mais, que em situações que demandam que a mensagem seja emitida de modo claro, e preciso o uso de palavras que dão margem a inúmeras interpretações deva ser restrito. Ademais, em determinadas situações, é melhor ser redundante, do que, mal interpretado. Apresento como exemplo a situação abaixo, um caso real, que vale ser citado em sala de aula:
Em uma negociação importante entre dois empresários, foi encaminhado um e-mail para uma das partes. Como a pessoa que deveria ler o e-mail em questão não se encontrava em seu escritório, e fora requisitado que o recebimento das mensagens eletrônicas fosse acusado assim que estas fossem recebidas, a prestativa secretária, abriu o e-mail, não leu seu teor e respondeu, “Ok”. Mal sabia ela, que havia uma pergunta embutida, no corpo deste. Do outro lado, compreendeu-se que este “Ok”, significava dois “Oks”: um acusando o recebimento da mensagem, outro, respondendo “sim” à pergunta que fora feita (a qual a resposta teria sido, “não”). Esse mero “Ok”, que nesse caso não teve nada de mero, deu margem a muitas desavenças. Esse caso, apesar de, aparentemente não ter nada de extraordinário, pode ser usado para tópico de discussão de vários temas em sala de aula, como: se “ok” da secretária foi condizente com o contexto ou não teria sido mais bem substituído por um “recebido”, a origem da expressão “Ok” (ver hiperlink), a importância da linguagem corporal e suas implicações culturais (a diferença de sentido entre o símbolo “OK” expresso com os dedos nos Estados Unidos e seu significado no Brasil), etc.
É óbvio que o exemplo acima não pode ser usado em uma sala do Ensino Fundamental, portanto vamos apresentar uma sugestão de um modelo de aula para o 7º ano do Ensino Fundamental II na qual:
O professor, primeiramente, lê um texto como, por exemplo, Aos vinte anos de Aluísio Azevedo enquanto e os alunos acompanham a leitura do texto por meio do livro Para gostar de ler – volume 10 – Contos.
Em seguida, o professor pede aos alunos que grifem os vocábulos desconhecidos e depois pede a cada um que “desvende” seu significado pelo contexto ou por meio de seus conhecimentos prévios, por exemplo, o vocábulo “gaiteiro”, perceptível pelo contexto. Em seguida, o professor pede aos alunos que classifiquem essa palavra, apresentem um sinônimo e por fim o professor formula a questão abaixo, entre outras, para a compreensão e interpretação do texto:
José Bento Furtado, marido de Ester, é assim imaginado pelo narrador-personagem antes do encontro entre eles:
“Maldito tutor dos diabos! Velho gaiteiro e libertino! Ignóbil maluco (...), monstro (...) ! (...) miserável!
a) Que idéia o leitor pode ter de José Bento com base nestas palavras?
b) O que levou o narrador-personagem a caracterizar José Bento dessa maneira?
Espera-se que os alunos respondam a primeira questão, levando em conta que as palavras que indicam que a personagem principal é uma pessoal desprezível, sem escrúpulos. Na segunda, que os alunos percebam que o narrador-personagem sentia ódio por José Bento impedir seu amor, dessa maneira esse ódio contribuiu para a crescente intensidade dos termos a ele referidos (Velho gaiteiro e libertino! Ignóbil maluco (...), monstro (...) ! (...) miserável!)
NOTA: o exemplo acima deve ser adaptado para qualquer material didático à disposição do professor
O que professores de língua estrangeira e os tradutores tem a nos ensinar:
Regra nº 1 dos professores de idiomas : Explorar o título do texto e a imagem
Via de regra, os textos de livros didáticos de ensino de idiomas sempre trazem imagens ilustrativas, caso seu livro didático não as tenha, busque alguma foto em uma revista que faça alusão ao tema do texto a ser trabalho e leve para a sala de aula a fim de aguçar a curiosidade dos alunos.
Há professores de idiomas que pedem aos alunos que, em vez de sublinharem as palavras cujo significado desconhecem (o que, de modo geral, remete às avaliações com erros marcados em vermelho), sublinhem tudo o que sabem, para que a partir deste conhecimento prévio, busquem “preencher as lacunas” existentes no texto.
Normalmente, muitos alunos só se dão conta do conceito de polissemia ao se depararem com este em outro idioma. Eles se indignam ao saber que, por exemplo, a palavra “book” em inglês que dizer “livro” e também “reservar”? E só se acalmam quando escutam de seus professores: Já pensaram no termo “manga”?
Os professores de língua estrangeira por, de modo geral, trabalharem com temas com os quais os alunos não estão familiarizados, nunca partem para a leitura de um texto sem antes contextualizar o tema que será abordado.
Professores de idiomas, sempre trabalham no sentido de diminuir a lacuna entre o vocabulário passivo e ativo de seus aprendizes (ver hiperlink vocabulário).
Bons tradutores nunca começam a traduzir (“esmiuçar”) uma sentença, sem antes ter lido a página do início ao fim.
Bons tradutores sempre se preocupam com o contexto da época do texto que estão traduzindo e, por conseguinte, com a datação dos termos cujo significado buscam nos dicionários.
Bons tradutores preocupam-se, sobremaneira, com as formas mais prováveis de associação, de modo que seu texto não tenha “sotaque” e seja o mais natural e fluente possível.
A diversidade de atividades que podem ser criadas para motivar o aluno a ampliar seu vocabulário é ilimitada. Brincar com um texto, pedindo ao aluno que o reescreva em diferentes registros, imaginando, quem sabe, que ele está vivendo em outro período histórico, são alguns dos exemplos de exercícios que estimulam a imaginação, a criatividade dos alunos - atividades lúdicas, cujos benefícios não se podem mensurar. Nosso propósito não foi apresentar receitas de bolo, mas sim despertá-lo para um universo que, em época de prevalência da tão propalada “linguagem cibernética” tornou-se, nossa obrigação como educadores explorar.
A linguagem como lugar da interação
Hoje o ensino de Língua Portuguesa na escola é mais flexível, privilegiando a contextualização de uma realidade mais palpável ao aluno, devido à contribuição das teorias lingüísticas. Porém ainda é perceptível principalmente em certa parte da mídia mais conservadora o discurso preconceituoso, muitas vezes repetido por não estudiosos, que os avanços do estudo da lingüística no ensino de Língua Portuguesa é apenas coisa de uma corrente relativista ou coisa de esquerdista.
Sobre isso o lingüista Marcos Bagno no artigo: Carta de Marcos Bagno para a revista Veja, diz:
Seria espantoso ver uma matéria de VEJA em que aparecessem zoólogos falando mal da Biologia,ou engenheiros criticando a Física,ou cirurgiões maldizendo da Medicina. No entanto,ninguém se espanta (e muitos até aplaudem) quando o Sr. João Gabriel de Lima,fazendo eco aos detratores da Lingüística (como o Sr. Pasquale Cipro Neto),fala da existência de “certa corrente relativista”e escreve absurdos como “trata-se de um raciocínio torto,baseado num esquerdismo de meia-pataca,que idealiza tudo o que é popular –inclusive a ignorância,como se ela fosse atributo,e não problema,do ‘povo’. O que esses acadêmicos preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo.”Seria muito fácil retrucar que estamos aqui diante de um “direitismo de meia-pataca”que acredita na existência de uma “ignorância popular”,mas,como cientista,prefiro recorrer a outro tipo de argumento,baseado na reflexão teórica serena e na experiência conjunta de muitas pessoas que há anos se dedicam ao estudo e ao ensino da língua portuguesa no Brasil.
Isso se deve ao fato de que por muitos anos o ensino da língua era marcado pela abordagem da Gramática Normativa, predominando a análise de frases soltas, descontextualizadas de um texto e, principalmente, do mundo e da vida do aluno. Priorizando a variedade padrão do idioma eram desconsiderados, também, os vários aspectos sociais da linguagem. Além da valorização da variedade padrão da língua o ensino de Língua Portuguesa era centrado em uma investigação sistemática de erros. Evidenciando, assim, uma visão maniqueísta de se falar ou escrever certo ou errado.
Até os anos de 1960 o ensino da língua era marcado pelo Estruturalismo, de Ferdinand de Saussure, orientou todos os estudos com base na teria da língua como sistema, além de isolar todo o contexto extralingüístico, reservava à fala apenas um aspecto individual e secundário
A partir dos anos de 1960, surgi o Funcionalismo, a língua passa a ser uma competência comunicativa que faz com que o usuário construa e interprete enunciados. É valorizado o caráter funcional da língua, ressaltando a importância da gramática de uso. O Funcionalismo contribuiu para a conscientização do falante para os vários usos da língua. Com os estudos funcionalistas o texto passou a ser identificado como unidade linguística.
Nos meados dos anos de 1960 surge a Sociolinguística Varicionista com William Labov que introduziu a concepção de língua como fato social e engajada na realidade sociocultural dos falantes. Algumas pesquisas dialetológicas apontavam que a língua variava geograficamente, quer no âmbito lexical ou fonético. A Sociolinguística contribuiu muito para o ensino da língua materna ao revelar a diversidade e variação da língua portuguesa e fazer com que a escola perceba a importância cultural, além da linguística, das diferentes variedades do idioma no Brasil.
Com a perspectiva social da linguagem nasce o Letramento, concepção fundamental que iria nortear o ensino do idioma no Brasil, o Letramento consiste no uso social da leitura e escrita.
Paralelo à Sociolinguística nasce a Psicolinguística, perspectiva que aponta no funcionamento cognitivo da interação verbal quais operações mentais são mobilizadas para o uso da língua
Já a Pragmática, a língua como ação, desenvolvida por John Austin, reconhece na linguagem o seu papel criativo e acional, em detrimento da idéia da língua como representação da realidade ou um instrumento da comunicação, mas é a responsável pela construção ou desconstrução do que está ao redor do falante.
Nos anos de 1970 iniciam os primeiros estudos da Análise da Conversação que descreve a estrutura de conversação espontânea. Essa perspectiva amplia a abordagem do ensino da língua, pois insere o estudo da oralidade na sala de aula. Assim a escrita deixa de ser a única modalidade observada e analisada para o estudo da língua.
Já a Linguística Textual contribui para o ensino da Língua Portuguesa com o descolamento da base de estudos linguísticos, antes era vista pelo enfoque da palavra ou da frase, passa ao texto como seu elemento básico.
As abordagens teóricas da linguística marcaram profundamente o ensino da língua portuguesa no Brasil, os PCNs enfoca o ensino mais sincronizado com a discursividade, trabalhando os gêneros textuais e a oralidade além dos textos criados pelos alunos.
É certo que o ensino da Língua Portuguesa não é homogêneo, pois encontramos alguns professores que contrariando os mais recentes estudos e os próprios PCNs ainda valorizam alguns aspectos gramaticais em detrimento aos lingüísticos, fato explicado por ser a linguística uma ciência relativamente jovem.
Muitos professores não se dedicam a mostrar a seus alunos que a língua deve ser compreendida, preferem apenas a corrigir uma lista de erros. A reforma ortográfica seria um ótimo exemplo para expor aos alunos que a ortografia de uma palavra é uma convenção arbitrária, porém esses professores preferem alterar sua lista, invertendo as posições de certo e errado de algumas palavras.
Cabe a escola, e aos professores de língua portuguesa, fazer com que o aluno tenha contato com textos das várias variantes linguísticas, chamar a atenção para as várias possibilidades de construção, priorizando, assim, as inúmeras práticas e usos da linguagem em contextos sociais e culturais.
Gênero e Tipologia textual
Para muitos não há diferença entre Gêneros textuais e Tipologia textual, por isso se faz necessário a definição de cada termo, bem como a diferenciação entre ambos.
Gêneros textuais: São as espécies de textos efetivamente produzidos em nosso cotidiano, cumprindo funções em situações comunicativas e que apresentam características gerais comuns, como: forma, estrutura linguística e assunto, facilmente identificáveis. Como exemplos de Gêneros textuais têm a carta pessoal, a lista de compras, os cartazes, o romance etc. São inúmeras formas textuais escritas ou orais estáveis, da mesma forma que são as práticas sociais a que eles servem. Enquanto a prática social estiver em vigor, o gênero textual a ela associado circulará, como a vida em sociedade está sempre mudando e evoluindo, novos gêneros nascem, outros desaparecem e outros se mantêm. Exemplo: o gênero carta pessoal já não é tão conhecido e praticado pelos alunos, devido à democratização da informática esse gênero caiu em desuso, sobretudo no ambiente urbano, porém nasceu o gênero e-mail, que tem o mesmo objetivo social da carta pessoal.
Tipologia textual: São composições lingüísticas que têm como característica a predominância de certas estruturas sintáticas, tempos e modos verbais, classes gramaticais, combinações etc., de acordo com sua função e intencionalidade no interior do gênero textual. Se os gêneros textuais são inúmeros, a tipologia textual é limitada. São tipos textuais: Narrativo, Descritivo, Argumentativo, Expositivo e Injuntivo. Pode-se dizer que um gênero textual pode conter uma ou mais tipologia textual, por exemplo, para os gêneros: crônica, romance, fábula, piada, contos de fadas, entre outros a tipologia textual predominante é a narrativa; para os gêneros: anúncio de classificado, lista de compra, cardápio, cartaz de procura-se, a tipologia que predomina é a descritiva; para os gêneros: manifesto, sermão, monografia, ensaio, editorial, dissertação, a tipologia predominante é argumentativa; para os gêneros livro didático, verbete de dicionário e enciclopédia, é a tipologia expositiva que predomina; para os gêneros propaganda, receita culinária, manual de instruções, entre outros, é a tipologia injuntiva.
É importante salientar a presença do adjetivo predominante, pois cada gênero pode apresentar mais de uma tipologia, daí a designação sequência textual, já que os textos podem ser elaborados com sequências de mais de uma tipologia textual, embora sempre uma delas prevaleça, por exemplo, em uma crônica pode ter uma sequência narrativa, uma descritiva e até mesmo uma sequência argumentativa.
O aprendizado do teto por meio do Gênero textual
Todos os textos, orais e escritos, que circulam em nossa sociedade apresentam um conjunto de características relativamente estáveis, Bakhtin 1992, que se caracterizam diferentes gêneros textuais e podem ser identificados por aspectos básicos, como o assunto (conteúdo temático), a estrutura (forma composicional) e os procedimentos recorrentes da linguagem (estilo).
Para Bernard Schneuwly o gênero textual é uma ferramenta, ou seja, um instrumento como qual se pode exercer uma ação linguística sobre a realidade, dessa forma o gênero textual produz dois efeitos de aprendizagem: Amplia a competência linguística e discursiva do aluno, como também e amplia o conhecimento a respeito do próprio gênero e aponta as inúmeras formas de utilizá-lo socialmente. Por exemplo, o aluno ao saber reconhecer o assunto, a estrutura e o estilo, bem como a linguagem do gênero Receita, saberá que ela serve para instruir sobre a feitura de uma guloseima e para dar certo é necessário seguir os ingredientes, bem como as quantidades, o modo de preparo e etc.
Toda ação linguística cotidiana é sempre orientada por um conjunto de fatores que atuam no contexto situacional: quem produz o texto, que é o interlocutor, qual é a finalidade do texto. Por se tratar de estruturas fixas os gêneros textuais são facilmente identificados, por ser facilmente encontrados em nosso cotidiano, ainda mais se tratando de alguns gêneros mais usados na esfera familiar, como é o caso da Receita.
O ensino de produção de texto por meio do gênero textual faz com que o resultado seja satisfatório, uma vez que põe o aluno em contato com uma variedade textual, ou seja, os diferentes gêneros textuais que circulam socialmente, quando isso ocorre logo nas primeiras séries a aprendizagem se dá em espiral, uma vez que o mesmo gênero periodicamente é retomado, aprofundado e ampliado de acordo com a série, o grau de maturidade do aluno bem como com suas habilidades linguísticas.
Dessa forma a sala de aula se transforma em uma oficina de textos de ação social e faz com que os alunos aprendam a escrever todos os tipos textuais, além de perceber que o bom texto não é aquele que apresenta característica de beleza literária, mas aquele que é adequado à situação comunicacional para qual foi produzido.