top of page
  • Preto Ícone YouTube
  • Black Facebook Icon
  • Black Instagram Icon
Poeta, escritor e crítico literário

Um grama, apenas, do abstrato 

Editora Primata
Capa Um grama.png

Versos sortidos

 

 

“Um grama, apenas, do abstrato” é o quinto livro de Fabiano Fernandes Garcez; um livro dividido em quatro partes: Luto, Afetação, Espanto e Indagações.

As duas primeiras seções do livro – Luto e Afetação – reúnem aqueles que estão entre os melhores poemas de Garcez; poesia em ponto maduro, com temas bem desenvolvidos, trabalhados, e ótimos arremates. Como acontece na poesia oriental, muitos poemas, ao final, encontram uma revelação.

É de se destacar, nesses primeiros quadros, os poemas “Desenho I”, “II” e “III”: vê-se, aqui, uma obra aberta, em progressão, em busca de sua melhor forma, reflexo do próprio autor.

A terceira parte do livro é Espanto: ponto da obra em que poesia e prosa se aproximam, tocam-se, colidem: reverberam o beat do coração e da estrada: encontram o nonsense, o fluxo de ideias, paralelismos psicológicos. Nem tudo tem razão de ser, mas é.

Para o último quarto da obra, Fabiano traz Indagações; poemas que abrem e fecham com interrogações próprias de quem sente as perplexidades e contradições da vida.

Permeando e pontuando todo o livro está a musicalidade dos versos: a melodia das palavras e o ritmo no arranjo entre elas: efeitos que Garcez consegue pelo uso de aliterações e pelo uso de palavras tomadas e decompostas até a raiz.

Embora não haja em “Um grama, apenas, do abstrato” poemas que possam ser classificados como “visuais”, Fabiano faz bom uso da espacialidade dos versos: jogo hábil entre o vazio da página e o campo ocupado pelas letras.

As imagens, no entanto, são pintadas pelas próprias palavras. Há de se ver o “teto da epiderme”, a “jornada em spicatto”, o “dígito/ na pele/ outra” como a “tirar a lingerie da realidade” num “gargarejo de vogais”.

Fabiano é um poeta que conhece poetas: poetas de outros tempos e seus contemporâneos... e sua obra conversa com todos. Mira no que diz e acerta, também, no que não diz. Afinal, a poesia precisa ter um ar de abstração.

 

César Magalhães Borges

Maio/ 2019

4289°C

                        para Celso de Alencar

 

ontem cremamos meu pai

hoje o tenho reduzido

a fragmentos tenuíssimos

 

todo ele pulverizado

partículas suspensas

em repouso nesta urna

 

não confesso a minha mãe

que na urna acham-se cinzas

de corpos alheios além

de madeira e cetim

 

firmo o precioso cântaro

na fúnebre estante

da sala onde jazia

meu avô pai de meu pai

 

estandarte de morte e pó

onde faço minhas preces

sem me ajoelhar

 

e onde um dia minhas cinzas

serão repousadas

A caverna dos sonhos esquecidos

 

                                       Um buraco da Rua Augusta

        me leva a um abismo no tempo perdido do paleolítico

onde mais tarde nasceria o Reino de França

 

O sussurro de Herzog desperta noites e noites esquecidas

                        o aspecto da rocha entalha litros e litros de sonhos

áureos de Ernst Reijseger

                                                       Cavalos, alces, bisões

                rinocerontes lanosos, ursos e leoas das cavernas

deixam pegadas impregnadas

                               em minhas pálpebras ancestrais

                enquanto estalactites e

                               estalagmites

        enfeitam a escuridão do brilho labiríntico

                                      

A parede de pedra

                                               tela anfitriã

relata todo o ocorrido aos meus olhos boquiabertos,                                                    satisfeitos pelo triângulo púbico

        de coxas a passar a noite com o minotauro

                                       na câmara dos leões

                                              

                               É quando duas dançarinas celebram

à esquerda de meus olhos

                               a descarga telúrica do calcário

        sob o pulsar de meu peito

estacionado na ignorância das mãos científicas

                               me ponho postado ao perceber que sou eu o artista que manipula a tinta da descoberta

Certo problema

                        para Ângelo Donizette

Mas que

sentido

o fez

soltar

a vogal

em meio

à imensidão?

 

Que consciência

soou que

o fez

abaixar

deixar a

conversa manca

e recolher

nas mãos em concha

côncavas

o indefeso inseto

mediante o

esmagamento?

 

Que gesto

num mundo

em que a vida

é indigesta

mesmo até

de um ser

mais reles

que o som

de pólvora

que o som

de níquel

que o som

surdo da adaga

que range

que rasga

roupa, carne

e penetra

adentrando

cavando fundo

em cada um

a cada noite

a cada amanhecer

 

Que gesto é esse

que me fez

esse poema

em prol de apenas

um risco

um cisco

uma centelha

 

Enquanto

a abelha

segue

seu alheio voo

rumo

a horizonte

inconstante

About
Sobre mim
Fabiano.jpg

Nasceu a 3 de abril de 1976, na cidade de São Paulo.

No ano de 2003, com ajuda de outros poetas da Zona Norte, realiza o1 Sarau no Centro de Convivência Cora Coralina. Neste mesmo ano desenvolve um Ateliê de poesia para esta casa.

Em 2004 é eleito para o Fórum de Cultura Jaçanã/Tremembé. Frente ao valor arquitetônico, histórico, cultural e afetivo do prédio, o Fórum formalizou o pedido de Tombamento enquanto Patrimônio Histórico do prédio junto ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. Ainda em 2004 realiza uma palestra no I Fórum da Juventude: A ideologia do curinga - Um paralelo sobre a falta de ideologia da atual sociedade brasileira e o livro: O dia do curinga do autor norueguês Jötein Gaarder.

Forma-se em Letras, em 2005, e participa da antologia: São Paulo Quatrocentona.

Lança seu primeiro livro de poemas: Poesia se é que há em 2008.

Participa assiduamente do Sarau Cora Coralina na Casa de Cultura Tremembé até 2009, quando se muda para a cidade de Guarulhos. Realiza palestra na Biblioteca Monteiro Lobato (Guarulhos): A poesia contemporânea em debate. Neste mesmo ano é convidado pelo autor Ulisses Tavares para integrar a antologia: Poemas que latem ao coração! Participa do projeto Literatura em Questão da Biblioteca Monteiro Lobato (Guarulhos) com a palestra: Tese e Antíteses em “Cidade e as Serras”.

Em 2010 é jurado pela cidade de Guarulhos da fase municipal do Mapa Cultural Paulista – Edição 2009/2010, na área de Poesia. Lança seu segundo livro de poemas: Diálogos que ainda restam. Juntamente com outros escritores do Selo Vale em Poesia funda o grupo literário Vale Foco para fomentar e discutir a literatura do Vale do Paraíba. Faz parte do grupo idealizador do espaço do escritor guarulhense Lê Guarulhos.

Participa da Semana do livro do Shopping Buriti (Guaratinguetá), em 2011, com o tema: A poesia contemporânea que transcende o formato da rima. O Lê Guarulhos participa com sucesso no II Salão do livro de Guarulhos.

No III Salão do livro de Guarulhos, em 2012, no estande do Abril Literário ministra a palestra: Guarulhos tem poesia, no estande do Lê Guarulhos lança Rastros para um testamento, seu terceiro livro de poemas. Em julho participa do Sarau Poemas à flor da pele no Centro Cultural São Paulo, lançando Rastros para um testamento na cidade de São Paulo. Em dezembro participa da 54º Edição da Quinta poética, curadoria de José Geraldo Neres, na Casa das Rosas.

Em 2013 participa do XXVII Simpósio de História do Vale do Paraíba em Aparecida – SP, em duas palestras: A legitimidade da poesia de Tonho França no mundo contemporâneo e O Macro-universo de Wilson Gorj em sua micronarrativa e participa da mesa de discussão: A prosa do Vale do Paraíba. Em Guarulhos é integrante da mesa de debates sobre literatura nacional na Semana do livro Nacional na livraria Nobel unidade de Guarulhos, nesta mesma livraria ministra uma Workshop de literatura, onde aborda: poesia, conto, crônica e micro-conto. Integra a antologia Vinagre: uma antologia de poetas Neobarracos. Em dezembro participa da 64º Edição da Quinta poética, curadoria de Paulo Sposati Ortiz, na Casa das Rosas.

Participa pelo segundo ano da mesa de debates sobre Literatura Nacional na Semana do livro Nacional na livraria Nobel unidade de Guarulhos, em 2014, também em julho é convidado do Colóquio Anual de Literatura, no Curso Popular Salvador Allende. Em novembro participa da 71ª edição da Quinta poética, organização: Escrituras Editora e Casa das Rosas. Curadoria desta edição: Celso de Alencar. Escreve diversas críticas literárias, tem diversos textos publicados nas revistas Conhecimento Prático Literatura e Conhecimento Prático Língua Portuguesa. Integra a antologia: Hiperconexões: realidade expandida, vol. 2.

No ano de 2015, em julho, é entrevistado por Janethe Fonte, no programa Diálogo da OESTV, ao lado de Raquel Naveira, ainda no mesmo mês, é mediador da mesa: Publicação e Marketing pessoal, velhas e novas tecnologias de publicação, da IIIª Semana do livro Nacional na livraria Nobel unidade Guarulhos. Em outubro ao lado de César Magalhães Borges e Érico Marin, faz uma apresentação sobre Contracultura, Cultura Pop e Poesia, no Dia Nacional do Livro, também na livraria Nobel unidade Guarulhos onde participa, neste mesmo mês, do encontro mensal Tragos& Papos em Verso & Prosa. Em novembro ministra a palestra: Contracultura e Poesia, na Jornada de Letras 2015, da Faculdade Guarulhos. É convidado para recitar poemas de Marina Teixeira no Sarau Gente de Palavra, em dezembro.

Em fevereiro de 2016, apresenta para as crianças do Colégio Liceu Coração de Jesus a palestra Poesia é brincar com palavras. Em maio lança, pela Editora Patuá, o quarto livro: Em Meio aos Ruídos Urbanos, no 5º Salão do Livro de Guarulhos. Em junho participa do Desconcertos de Poesia, de Claudinei Vieira, com mais um lançamento do livro: Em Meio aos Ruídos Urbanos, neste mesmo mês é convidado a recitar poemas de Ademir Assunção no Sarau Gente de Palavra. É um dos membros fundadores do Sarau da Paulista. Participa de uma conversa sobre O Verso Contemporâneo, em outubro, no 2º dia nacional do livro ao lado dos poetas Érico Marin e César Magalhães Borges, com mediação de Aline Araújo. Em novembro, é um dos convidados do Sarau Gente de Palavra para homenagear o poeta e amigo Celso de Alencar. Continua participando dos encontros mensais dos Tragos & Papos em Verso & Prosa e do Sarau da Paulista.

Em janeiro de 2017 começa a entrevistar poetas para o canal Sala de Leitura no Youtube, onde entrevista diversos poetas contemporâneos. Participa do encontro Carregue seu Patuá na livraria Alpharrábio de Santo André ao lado de poetas como André Merez, Elisa Andrade Buso, Lilian Aquino, Ricardo Escudeiro e Rosana Chrispim, com mediação do poeta Tarso de Melo. Em outubro é convidado do 3º dia nacional do livro ao lado dos poetas Érico Marin e César Magalhães Borges, Auriel Filho e do escritor Wagner Hilário, com mediação de Aline Araújo. Em novembro o livro Em meio aos ruídos urbanos é finalista na categoria Poesia e na categoria Escritor do Ano do Prêmio Guarulhos de Literatura 2017. É convidado do Sarau Palavra Subterrânea, na Sensorial Discos, ao lado dos poetas Lilian Sais e Rubens Jardim. Continua participando dos encontros mensais dos Tragos & Papos em Verso & Prosa e do Sarau da Paulista.

Em 2018, continua as entrevistas no canal Sala de Leitura, publica o texto Celso de Alencar e seu universo perverso, com tradução para o francês, no primeiro número da revista Itapuan.  Neste mesmo ano participa de duas antologias: Antologia Primata, editora Primata e Antologia da Resistência – A poesia queima, Editora Patuá.

Continua com as entrevistas no Sala de Leitura e na curadoria e apresentação do Sarau Santa Sede. O livro Um grama, apenas do abstrato (ainda inédito) vence o Prêmio Guarulhos de Literatura, na categoria Poesia de 2019. Além disso participa de três antologias: Mediocridade antologia poética, Laranja Original, Sarau Paulista, editora Patuá e Rubens Jardim, editora Patuá.

Em 2020, publica Badaladas de uma preliminar pela editora Primata, reunião dos três primeiros livros Poesia se é que há (2008), Diálogos que ainda restam (2010) e Rastros para um testamento (2012) além de alguns poemas apenas publicados em antologias.

My Books
fortuna crítica
Press

Os Ruídos da Alma e seus Diálogos Possíveis

 

por Mateus Machado

 

O poeta e crítico literário Fabiano Fernandes Garcez surge no panorama da poesia do novo século, como uma voz prometeica. Professor de língua portuguesa em um país e época onde o papel do Mestre tornou-se objeto de descaso por parte dos governantes; o que acarreta dentre outras coisas, um processo de fragmentação e transvalorização social que envolve principalmente pais e alunos.

O poeta já nasce condenado à marginalidade e ao descaso. Em parte, porque a consciência burguesa (não necessariamente o burguês, enquanto personagem, mas a consciência materialista/imediatista dominante) não consegue assimilar a Poesia como alimento para o espírito ou ainda como expressão do espírito humano.

Fabiano Fernandes Garcez talvez por não ter ainda assumido a Poesia como Poder Pessoal, fogo, ainda que tenha sido roubado dos deuses ou como bem colocou Henry Miller; que o poeta que já não mais acredita no caráter divino de sua missão, inaugura sua obra com o livro Poesia se é que há (Editora Scortecci, 2008). E o poema de abertura, José Fica Quieto, independente de sua estilística, é muito claro em sua mensagem; o homem moderno é impotente em seu meio porque sabe, ainda que de forma inconsciente, que seu mundo está doente. E diante de um mundo doente pela própria linguagem, o silêncio talvez seja o melhor antídoto. Quando a morte não é a via de escape o José pode chegar ao Fim do Dia, vitorioso, “mas com as marcas de quem mais apanhou”. E com humor, expõe verdades, como no poema Formas Geométricas, que diz que viver um “triângulo amoroso” ou deixar de lado o controle remoto porque diante do vazio da TV é “Melhor ler um livro!”.

E ainda resta o questionamento no poema Se Jesus Voltasse Hoje, de cunho social. Embora à primeira vista pareça se tratar da volta de um Jesus Salvador, diante do cenário apocalíptico do mundo, penso que o poeta está querendo nos dizer que esse Jesus, o avatar ou Homem/Deus arquetípico, está presente em cada ser humano. É a figura de um Jesus social, holístico, em seu ecumenismo, para se evitar qualquer condenação.

Penso que o poeta Fabiano Fernandes Garcez, já no primeiro livro, busca não apenas a sua própria linguagem poética; trabalho que requer tempo, labor que requer labores & sabores, mas esse poeta, ávido de vida, também deseja firmar essa linguagem em um dos pilares da Poesia: A Simplicidade; coisa dificílima.

Há uma preocupação com a língua e suas regras, há o burilamento da palavra. Há formalidade; só não sei dizer se essa formalidade é de sua natureza, da influência de uma poesia mais tradicional ou se faz parte de uma postura acadêmica. No entanto, sinto que o poeta quer ultrapassar as barreiras, se libertar das convenções e buscar o novo em seu próprio caminhar. A influência do poeta Carlos Drummond permeia tanto o primeiro livro como o segundo, Diálogos Que Ainda Restam (Editora Penalux, 2010). Outros poetas são vistos transitando de uma página à outra. Mário Quintana passarinhará por muitas páginas.

Se no primeiro livro o silêncio (imposto ou auto imposto por José) parece ser uma alternativa em meio à tagarelice doentia, no segundo livro, o Diálogo se faz presente como protesto, como via de conhecimento e autoconhecimento através da troca, da participação do mundo. Aqui o poeta Fabiano Fernandes Garcez, naturalmente mais amadurecido, entende que o diálogo, em sua profundidade, pode ir além das palavras: não há diálogo no blábláblá. Se ainda restam diálogos é porque o poeta ainda tem muito a dizer. E a Poesia, uma das mais antigas heranças da Humanidade, é o diálogo profundo entre o homem e o homem para que seja possível um diálogo ainda mais profundo, um religare, entre o homem e o sagrado. Para tanto, será preciso acabar de vez com a palavra corrupta e resolver os conflitos da herança mítica de Babel.

Em Diálogos Que Ainda Restam, há capítulos e diálogos particulares. No poema Joguei Bola, que considero uma pequena pérola, há o diálogo com a criança que vive no poeta. No poema A Gaveta, a perda é tratada de maneira singela, mas contundente. Alguns temas do primeiro livro retornam; espelhos, reflexos, a solidão, o tempo, as águas, o diálogo com a própria poesia. Aqui há uma busca pelo entendimento de Deus, de Sua Essência.

O tema social aparece em vários momentos; em poemas como Ribeirinho e Nova Cantiga, mostrando a nudez da realidade.

Os Diálogos permanecem e continuam no segundo livro (deixando) Rastros para um Testamento (Editora Penalux, 2012), em seu terceiro livro; que é dividido em três capítulos. Em Rastros a infância é novamente evocada logo no primeiro poema; Lobisomem; a fera que mora ao lado da criança, revelando a parte selvagem, instintual do poeta. A criança tem que crescer e nesse processo aprende que crescer dói, como afirma o poeta em Dor de Perna.

No segundo capítulo, Fendas, o poeta nos diz no poema Escola, que dormir, às vezes é melhor que estar atento, pois temos a chance de sonhar, seja em uma sala de aula ou na escola da vida. Saber envelhecer também faz parte do aprendizado.Testamentos, o último capítulo, o poeta revela que os anjos “cegam quem os encaram/ porque seus olhos são frios, nada dizem”. Tudo tem seu peso e sua medida. Aqui se faz presente a responsabilidade e a culpa. O livro fecha com Obrigação e a amargura das Reminiscências que trazem à tona culpas e conflitos mal resolvidos. O menino medroso se tornou homem feito,na busca da coragem necessária para continuar a sua caminhada, poeta sem religião, expulso do Éden, condenado a deixar os seus rastros gravados Em Meio aos Ruídos Urbanos como prova e redenção.

Assim o poeta Fabiano Fernandes Garcez se reinventa em seu quarto livro, Em Meio Aos Ruídos Urbanos (Editora Patuá, 2015), como em um salto quântico para evoluir, deixando seu casulo para assumir uma vestimenta nova, ainda fazendo uso da mesma viga mestra que vem sustentando a sua poesia: A busca pela simplicidade. Mais ousado, dizendo mais com menos. E apesar do excelente trabalho gráfico/fotográfico e da simbiose entre imagem e palavra, a poesia aqui fala por si só; funcionaria sem perder a sua força, ainda que estivesse só em página branca, editada de maneira tradicional. A meu ver, a poesia de Fabiano Fernandes Garcez já começa com a dedicatória à cidade de São Paulo “berço e túmulo”; evocando a força de um Destino.

Os pares de opostos, fundamento do nosso Universo, serão encontrados em todo o livro. Já na citação de Roberto Piva, nos é mostrado uma contradição: Se é “um poeta na cidade/ não da cidade” mesmo que São Paulo, a grande metrópole, venha a ser o “berço e túmulo” do poeta.

Livro dividido em 04 turnos. O primeiro, Sob o Raiar do Dia, a grande metrópole vem tomar o seu café da manhã com o poeta. A primeira revelação é que a inocência já não é mais possível - “Parabéns! Você virou mocinha!”. E no segundo poema, Hora H, a protagonista continua descobrindo e entendendo que o amor dói. No decorrer do capítulo o raiar do dia vai iluminando a cidade e seus becos escuros, o preço que se paga, a roupa velha, as águas da enchente, as ladeiras, as tralhas, as vozes, o sexo e a miséria de cada um.

O segundo turno, Sol a fio, o poeta revela que o mesmo sol que aquece e da vida, também queima e mata. Em meio a todo o ruído da cidade com sua alma petrificada, saciar a fome do corpo já não basta; a fome do espírito talvez seja mais complicada. Há os vícios e o Ministério da Saúde Adverte: O Horror nasce dos horrores. Quem pagará pelo prejuízo da vida? Do índio Kaiowá americanizado ao sorriso inútil. A cidade anda de mãos dadas com a Demência. A carência social transpira pelos poros da Metrópole.

O terceiro turno, Ao Despencar da Tarde, onde cada personagem anônima torna-se herói da miséria do mundo.

Chegamos ao quarto e último turno, Queda da Noite, quando os ruídos são outros, os ruídos dos subterrâneos. A cidade arde com a poluição do que deixamos para trás, da chuva ácida, das águas do rio. A noite cai porque é pesada como o concreto da cidade.

O projeto Gráfico (Foto) e Textual nos dá a experiência única de tocar o coração negro da cidade, suas ruas, suas construções e desconstruções, sua miséria e seus heróis anônimos. No entanto, como dito antes, os poemas de Fabiano Fernandes Garcez funcionam por si, ora como um soco no estômago, ora como navalha na carne.

O que virá depois deste livro? Voltar atrás me parece impossível, ao menos, improvável. Seja como for, Fabiano Fernandes Garcez parece estar passando por um rito de iniciação. Creio que os vôos daqui em diante serão mais altos, ousados e perigosos.

Os Ruídos da Alma e seus Diálogos Possíveis

 

por Mateus Machado

 

O poeta e crítico literário Fabiano Fernandes Garcez surge no panorama da poesia do novo século, como uma voz prometeica. Professor de língua portuguesa em um país e época onde o papel do Mestre tornou-se objeto de descaso por parte dos governantes; o que acarreta dentre outras coisas, um processo de fragmentação e transvalorização social que envolve principalmente pais e alunos.

O poeta já nasce condenado à marginalidade e ao descaso. Em parte, porque a consciência burguesa (não necessariamente o burguês, enquanto personagem, mas a consciência materialista/imediatista dominante) não consegue assimilar a Poesia como alimento para o espírito ou ainda como expressão do espírito humano.

Fabiano Fernandes Garcez talvez por não ter ainda assumido a Poesia como Poder Pessoal, fogo, ainda que tenha sido roubado dos deuses ou como bem colocou Henry Miller; que o poeta que já não mais acredita no caráter divino de sua missão, inaugura sua obra com o livro Poesia se é que há (Editora Scortecci, 2008). E o poema de abertura, José Fica Quieto, independente de sua estilística, é muito claro em sua mensagem; o homem moderno é impotente em seu meio porque sabe, ainda que de forma inconsciente, que seu mundo está doente. E diante de um mundo doente pela própria linguagem, o silêncio talvez seja o melhor antídoto. Quando a morte não é a via de escape o José pode chegar ao Fim do Dia, vitorioso, “mas com as marcas de quem mais apanhou”. E com humor, expõe verdades, como no poema Formas Geométricas, que diz que viver um “triângulo amoroso” ou deixar de lado o controle remoto porque diante do vazio da TV é “Melhor ler um livro!”.

E ainda resta o questionamento no poema Se Jesus Voltasse Hoje, de cunho social. Embora à primeira vista pareça se tratar da volta de um Jesus Salvador, diante do cenário apocalíptico do mundo, penso que o poeta está querendo nos dizer que esse Jesus, o avatar ou Homem/Deus arquetípico, está presente em cada ser humano. É a figura de um Jesus social, holístico, em seu ecumenismo, para se evitar qualquer condenação.

Penso que o poeta Fabiano Fernandes Garcez, já no primeiro livro, busca não apenas a sua própria linguagem poética; trabalho que requer tempo, labor que requer labores & sabores, mas esse poeta, ávido de vida, também deseja firmar essa linguagem em um dos pilares da Poesia: A Simplicidade; coisa dificílima.

Há uma preocupação com a língua e suas regras, há o burilamento da palavra. Há formalidade; só não sei dizer se essa formalidade é de sua natureza, da influência de uma poesia mais tradicional ou se faz parte de uma postura acadêmica. No entanto, sinto que o poeta quer ultrapassar as barreiras, se libertar das convenções e buscar o novo em seu próprio caminhar. A influência do poeta Carlos Drummond permeia tanto o primeiro livro como o segundo, Diálogos Que Ainda Restam (Editora Penalux, 2010). Outros poetas são vistos transitando de uma página à outra. Mário Quintana passarinhará por muitas páginas.

Se no primeiro livro o silêncio (imposto ou auto imposto por José) parece ser uma alternativa em meio à tagarelice doentia, no segundo livro, o Diálogo se faz presente como protesto, como via de conhecimento e autoconhecimento através da troca, da participação do mundo. Aqui o poeta Fabiano Fernandes Garcez, naturalmente mais amadurecido, entende que o diálogo, em sua profundidade, pode ir além das palavras: não há diálogo no blábláblá. Se ainda restam diálogos é porque o poeta ainda tem muito a dizer. E a Poesia, uma das mais antigas heranças da Humanidade, é o diálogo profundo entre o homem e o homem para que seja possível um diálogo ainda mais profundo, um religare, entre o homem e o sagrado. Para tanto, será preciso acabar de vez com a palavra corrupta e resolver os conflitos da herança mítica de Babel.

Em Diálogos Que Ainda Restam, há capítulos e diálogos particulares. No poema Joguei Bola, que considero uma pequena pérola, há o diálogo com a criança que vive no poeta. No poema A Gaveta, a perda é tratada de maneira singela, mas contundente. Alguns temas do primeiro livro retornam; espelhos, reflexos, a solidão, o tempo, as águas, o diálogo com a própria poesia. Aqui há uma busca pelo entendimento de Deus, de Sua Essência.

O tema social aparece em vários momentos; em poemas como Ribeirinho e Nova Cantiga, mostrando a nudez da realidade.

Os Diálogos permanecem e continuam no segundo livro (deixando) Rastros para um Testamento (Editora Penalux, 2012), em seu terceiro livro; que é dividido em três capítulos. Em Rastros a infância é novamente evocada logo no primeiro poema; Lobisomem; a fera que mora ao lado da criança, revelando a parte selvagem, instintual do poeta. A criança tem que crescer e nesse processo aprende que crescer dói, como afirma o poeta em Dor de Perna.

No segundo capítulo, Fendas, o poeta nos diz no poema Escola, que dormir, às vezes é melhor que estar atento, pois temos a chance de sonhar, seja em uma sala de aula ou na escola da vida. Saber envelhecer também faz parte do aprendizado.Testamentos, o último capítulo, o poeta revela que os anjos “cegam quem os encaram/ porque seus olhos são frios, nada dizem”. Tudo tem seu peso e sua medida. Aqui se faz presente a responsabilidade e a culpa. O livro fecha com Obrigação e a amargura das Reminiscências que trazem à tona culpas e conflitos mal resolvidos. O menino medroso se tornou homem feito,na busca da coragem necessária para continuar a sua caminhada, poeta sem religião, expulso do Éden, condenado a deixar os seus rastros gravados Em Meio aos Ruídos Urbanos como prova e redenção.

Assim o poeta Fabiano Fernandes Garcez se reinventa em seu quarto livro, Em Meio Aos Ruídos Urbanos (Editora Patuá, 2015), como em um salto quântico para evoluir, deixando seu casulo para assumir uma vestimenta nova, ainda fazendo uso da mesma viga mestra que vem sustentando a sua poesia: A busca pela simplicidade. Mais ousado, dizendo mais com menos. E apesar do excelente trabalho gráfico/fotográfico e da simbiose entre imagem e palavra, a poesia aqui fala por si só; funcionaria sem perder a sua força, ainda que estivesse só em página branca, editada de maneira tradicional. A meu ver, a poesia de Fabiano Fernandes Garcez já começa com a dedicatória à cidade de São Paulo “berço e túmulo”; evocando a força de um Destino.

Os pares de opostos, fundamento do nosso Universo, serão encontrados em todo o livro. Já na citação de Roberto Piva, nos é mostrado uma contradição: Se é “um poeta na cidade/ não da cidade” mesmo que São Paulo, a grande metrópole, venha a ser o “berço e túmulo” do poeta.

Livro dividido em 04 turnos. O primeiro, Sob o Raiar do Dia, a grande metrópole vem tomar o seu café da manhã com o poeta. A primeira revelação é que a inocência já não é mais possível - “Parabéns! Você virou mocinha!”. E no segundo poema, Hora H, a protagonista continua descobrindo e entendendo que o amor dói. No decorrer do capítulo o raiar do dia vai iluminando a cidade e seus becos escuros, o preço que se paga, a roupa velha, as águas da enchente, as ladeiras, as tralhas, as vozes, o sexo e a miséria de cada um.

O segundo turno, Sol a fio, o poeta revela que o mesmo sol que aquece e da vida, também queima e mata. Em meio a todo o ruído da cidade com sua alma petrificada, saciar a fome do corpo já não basta; a fome do espírito talvez seja mais complicada. Há os vícios e o Ministério da Saúde Adverte: O Horror nasce dos horrores. Quem pagará pelo prejuízo da vida? Do índio Kaiowá americanizado ao sorriso inútil. A cidade anda de mãos dadas com a Demência. A carência social transpira pelos poros da Metrópole.

O terceiro turno, Ao Despencar da Tarde, onde cada personagem anônima torna-se herói da miséria do mundo.

Chegamos ao quarto e último turno, Queda da Noite, quando os ruídos são outros, os ruídos dos subterrâneos. A cidade arde com a poluição do que deixamos para trás, da chuva ácida, das águas do rio. A noite cai porque é pesada como o concreto da cidade.

O projeto Gráfico (Foto) e Textual nos dá a experiência única de tocar o coração negro da cidade, suas ruas, suas construções e desconstruções, sua miséria e seus heróis anônimos. No entanto, como dito antes, os poemas de Fabiano Fernandes Garcez funcionam por si, ora como um soco no estômago, ora como navalha na carne.

O que virá depois deste livro? Voltar atrás me parece impossível, ao menos, improvável. Seja como for, Fabiano Fernandes Garcez parece estar passando por um rito de iniciação. Creio que os vôos daqui em diante serão mais altos, ousados e perigosos.

Events
notícias e eventos
Contact
bottom of page